Como mudar nossa relação com o consumo? por André Carvalhal

Em outubro, aconteceu o Dia do Consumo Consciente. Acho muito simbólico que esta data caia junto com o “Dia do Professor”, pois, para mim, consciência tem tudo a ver com informação, educação, conhecimento e principalmente com dar luz a determinado tema. Temos ouvido cada vez mais falar sobre consumo consciente, com diversas abordagens diferentes, mas afinal, qual tipo de consumo poderia ser nomeado “consciente”?
Como educador e escritor, nesta data senti vontade de compartilhar alguns aprendizados sobre o tema e que podem nos ajudar a refletir sobre esta resposta. Ainda há muita falta de informação. Quem tem algum conhecimento do assunto sabe que todo tipo de “produção convencional” está ligada à devastação e exploração do meio ambiente e de muitas pessoas (desde quem faz até quem compra), e, por isso, comprar qualquer coisa gera um impacto no planeta – podendo este ser positivo ou negativo.
A Revolução Industrial, colocou o foco da sociedade nas empresas, nos produtos, no lucro. Depois disso, nunca mais fomos os mesmos. A sociedade industrial nos isolou do mundo natural e nos fez perder a conexão com outros seres e a noção de que somos Terra consciente. Perdemos a conexão com o que é sutil e imaterial. Em dois séculos, as empresas e o sistema capitalista transformaram o mundo e nossa vida. Foram muitas inovações, tecnologias e conquistas. Mas parece que muitos se atrapalharam, sem saber lidar com as suas “necessidades”.
O consumo foi vendido como uma porta de acesso para a felicidade. As pessoas foram estimuladas a comprar mais que o necessário. Então elas compraram, compraram e compraram, mas continuaram infelizes. O consumo virou consumismo e pilhou as pessoas num nível de ansiedade extremo. Quanto mais ricos, mais esgotados, dependentes e deprimidos uns se tornaram.
O sistema como um todo precisa se transformar. E nós temos responsabilidade nisso. Enquanto não repensarmos o ato de consumir, revermos e reavaliarmos as nossas “necessidades”, não tem consumo consciente. Antes de consumir, precisamos questionar de onde vem essa “necessidade”. Devemos questionar se existe alguma outra forma de acesso sem que precise estimular mais produção inconsciente – como por exemplo: alugar, trocar, consertar o que se tem, pegar emprestado e até fazer.
Mas a responsabilidade de consumir de forma consciente, não é só das pessoas. Até porque muitas pessoas não têm informação sobre tudo isso – e provavelmente mais pessoas ainda vivam sem a chance de poder escolher aquilo que consomem. A produção precisa mudar, para que produtos feitos de forma mais consciente, sejam acessíveis. Então é preciso não somente “se questionar”, mas também questionar às empresas como os produtos são feitos, de onde vem, para onde vão no final de sua vida e quais os impactos disso tudo.
Pensando por essa ótica então, o consumo consciente seria um processo de co-responsabilidade, no qual as pessoas estão seguras e certas dos impactos de suas escolhas. Tem a ver com conhecer os impactos do que estamos consumindo. Logo, o único caminho possível para estabelecer uma relação de consumo consciente é através do questionamento e da transparência. Para as empresas, ao invés de comunicar ações isoladas é preciso comunicar os impactos e as metas de melhoria daquilo que se propõem a fazer.
Questionar é uma forma também de procurar entender quem de fato está se movimentando para modelos mais conscientes. Não posso negar que existem muitas pessoas (e empresas) se movimentando, tentando descobrir novos caminhos. A busca pela sustentabilidade é uma longa jornada, que precisa começar de alguma forma. Pequenas iniciativas podem sim ser verdadeiras, genuínas, podem ser o início do movimento de transformação, uma transição.
Porém é muito importante entender – e questionar para fazer as empresas entenderem – que a mudança precisa ser sistêmica, deve considerar os impactos dos processos como um todo, com novos padrões de criação, produção e consumo, que protejam as capacidades regenerativas da Terra, os direitos humanos e o bem-estar comunitário. Isso significa pensar em produtos que realmente sejam relevantes para as pessoas e a favor da vida. Não podemos mais nos enganar, acreditando que a solução seja a criação de um ou outro produto sustentável.
Todos os produtos precisam ser relevantes. Precisam ser a favor da vida, com uma seleção consciente e amorosa do uso de matéria-prima, dos processos de produção, armazenamento, distribuição, considerando os impactos que causam no meio ambiente e na comunidade. É preciso mudar estruturas. Mudar o sistema. Reinventar a cultura material. Perseguir sistemas inovadores e transgressores. Questionar.
André Carvalhal é consultor e escritor, autor dos best sellers “Como Salvar o futuro”, “Moda com propósito” e do livro finalista do prêmio Jabuti 2019 “Viva o fim – Almanaque de um novo mundo”. @carvalhando
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